Prefeitos em Minas herdam 'presente de grego' de administrações passadas
REPORTAGEM ESPECIAL DO JORNAL HOJE EM DIA.
Moradores de Ribeirão das Neves, na Grande BH, sofrem com a falta da coleta de lixo desde o ano passado; novo prefeito promete regularizar serviço
Em apenas 10 dias de gestão, prefeitos mineiros já perceberam o tamanho da encrenca que terão que administrar. Entre os problemas herdados estão desde cofres vazios e salários dos servidores atrasados a linhas de telefones cortadas por falta de pagamento e interrupção de serviços de saúde à população.
Em algumas cidades, o absurdo é ainda maior, como por exemplo, sumiço de carro oficial e até computadores com arquivos apagados, o que impede que os novos gestores tenham informações sobre a real situação das contas públicas. Em tempos de crise, o “presente de grego” das administrações anteriores impõe mais arrocho para os municípios.
Em Esmeraldas, a 60 quilômetros de Belo Horizonte, o prefeito Márcio Belém (PMDB) não pode usar o telefone do gabinete para fazer ou receber chamadas. Assim como essa linha, todas as outras instaladas em prédios municipais, inclusive escolas, estão cortadas em função de inadimplência. O serviço só foi preservado no hospital da cidade.
“A antiga administração fez uma negociação com a empresa de telefonia, mas não honrou os pagamentos. Conseguimos somente o desbloqueio das linhas do hospital e a restauração da internet. A dívida passa de R$ 200 mil”, diz o secretário de Planejamento e Gestão, Túlio Costa.
Outro “abacaxi” corresponde às folhas de pagamento relativa a dezembro e ao 13 º salário. “Cada folha custa cerca de R$ 5 milhões. Não temos condição de pagar agora. Mas vamos tentar quitar o pagamento de janeiro e nos reunir com os sindicatos para o escalonamento do que ficou pra trás”, afirma ele, que ainda apontou o sumiço de bens.
“Móveis, uma impressora e HDs de computador foram extraídos. Vamos fazer uma auditoria contábil e patrimonial e encaminhar ao Ministério Público”, diz Costa.
Folha de Pagamento dos servidores de Itacarambi
Na pequena Itacarambi, no Norte de Minas, com pouco mais de 18 mil habitantes, segundo o IBGE, a prefeita Nívea Maria (PTB) encontrou uma folha de pagamento sem quitar e sem empenhar de R$ 1,9 milhão.
“Além dessa conta enorme, arquivos de computadores dos setores de licitação, planejamento e contabilidade foram apagados e vários carros estão sucateados”, afirma o secretário de Administração, Wendel Chaves Almeida.
Prefeito de Biquinhas, cidade com menos de 3 mil habitantes localizada no Centro-Oeste, Arisleu Ferreira Pires (PMDB) conta que encontrou o caos.
“O salário de dezembro não foi pago e a folha em atraso já está em R$ 240 mil. Mas a dívida com a Previdência beira os R$ 2 milhões. E vários itens desapareceram, como motosserra, máquina de cortar grama e bomba usada no combate à dengue”, afirma.
Segundo Pires, até o carro oficial, um Sonic preto, sumiu e só apareceu três dias depois do réveillon. “O veículo foi trazido por um reboque de Três Marias, mas está todo detonado, com pára-choque quebrado, motor quebrado e pneu estourado. Agora, está com a seguradora para fazer o conserto”, diz o prefeito, que registrou ocorrência policial sobre o carro e outros bens.
Em Manga, no Norte de Minas, o prefeito Joaquim Oliveira (PPS), o Quinquinha, descreve a situação que encontrou como caótica. “Não houve transição. O prefeito antigo passou a chave, mas até hoje não recebemos os dados da parte financeira e contábil”, afirma.
Segundo ele, obras estão inacabadas e 11 comunidades estão sem água, já que as bombas submersas estão queimadas. “Carros estão parados por falta de manutenção e informações foram deletadas dos computadores. A situação é de calamidade”, diz.
Segundo a economista da Associação Mineira dos Municípios (AMM), Angélica Ferreti, casos como os citados agravam a situação dos municípios, que já sofrem com perdas na arrecadação e menor transferência de recursos por parte do estado e União
Sem saída, eleitos decretam calamidade financeira nas cidades
Diante de uma dívida de R$ 241 milhões, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o prefeito Junynho Martins (PSC) decretou ontem estado de calamidade financeira no município.
Entre os problemas herdados estão o não pagamento do salário de dezembro e do 13º dos servidores, além do atraso de repasses à empresa responsável pela coleta de lixo no município, o que está comprometendo o serviço desde outubro do ano passado. “O montante dos débitos cresceu mais de 100% em quatro anos. Isso é praticamente impagável”, declarou o prefeito.
Segundo Martins, serão tomadas medidas emergenciais como auditoria na folha de pagamento do mês passado; revisão dos contratos municipais, regularização da coleta de lixo nos próximos dias e do atendimento do Hospital São Judas Tadeu.
Só a dívida com a empresa de coleta seria de R$ 8,5 milhões. Ele anunciou ainda que a previsão é de regularizar os pagamentos dos servidores a partir de fevereiro. “Encontramos um furação. Não temos dinheiro de imediato, mas vamos pagando aos poucos. Pedimos paciência à população”, afirmou.
Os primeiros dias da gestão também não foram fáceis para o prefeito de Uberlândia, Odelmo Leão (PP). Na último dia 6, ele assinou decreto em que instaura estado de calamidade econômica no maior município do Triângulo Mineiro em função do rombo nas contas públicas, que somam mais de R$ 390 milhões, segundo Leão.
Na pequena Itacarambi, folha de pagamento não foi quitada e arquivos de computadores foram apagados
De acordo com o prefeito, do total da dívida com folha de pagamento, encargos e fornecedores, R$ 104,9 milhões são recursos empenhados e não pagos no exercício 2016. Na prática, o documento estabelece um contingenciamento dos recursos previstos para o orçamento de 2017, com a ressalva de gastos com pessoal e em áreas essenciais como saúde e educação.
A determinação também permite que o Executivo realize contratações emergenciais, com dispensa de licitação, no intuito de manter a continuidade de serviços considerados básicos.
Representantes das administrações passadas das prefeituras citadas na reportagem não foram localizados ou não retornaram as ligações.
“Encontramos o caos, com UPA fechada, salário de médico com três meses de atraso e uma dívida quase impagável.Serei incansável para colocar as contas em dia”
Junynho Martins (PSC)
Prefeito de Ribeirão das Neves
Betim tem dívida de cerca de R$ 2 bilhões
Um dia após a posse, o prefeito de Betim, Vittorio Medioli (PHS), assinou um decreto de emergência administrativo-financeira. No documento consta uma série de ações estabelecidas com o intuito de não gerar novos gastos, como por exemplo, a proibição de contratação. O decreto ficará em vigor por 180 dias.
A dívida total do município gira em torno de R$ 2 bilhões. Desse total, R$ 900 milhões compõem a dívida a longo prazo; R$ 600 milhões são relativos ao instituto de previdência dos servidores; R$ 30 milhões com a folha de pagamento, R$ 450 milhões em precatórios e outros R$ 110 milhões com fornecedores. Dentre os fornecedores, estão em atraso pagamentos da ordem de R$ 74 milhões apenas para aqueles que vendem materiais para a saúde.
O prefeito também decidiu parcelar os salários dos servidores municipais. Quem recebe até R$ 3 mil recebeu integralmente na última sexta-feira, dia 6.
Já aqueles que ganham mais que esse montante, terão creditado o salário referente ao mês de dezembro no próximo dia 20 até o limite de R$ 3 mil. O servidor que ganha mais de R$ 6 mil receberá o restante na primeira semana de fevereiro, em data ainda não especificada pela prefeitura.
Entre as medidas previstas no decreto também está a renúncia do salário de R$ 21 mil do cargo de prefeito.
Dentre as cidades com mais de 200 mil habitantes, Vittorio Medioli é considerado o prefeito mais rico do país, com patrimônio de R$ 352.572.936,23 declarado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Até o carro oficial da prefeitura – um Sonic, da Chevrolet – sumiu no dia do réveillon. Só apareceu dias depois, trazido por um reboque de Três Marias, batido, com o motor estragado e pneu estourado”
Arisleu Ferreira Pires (PSDB)Prefeito de Biquinhas
“O antigo prefeito só passou a chave. Carros estão quebrados, arquivos foram apagados dos computadores e 11 comunidades estão sem água porque as bombas estão queimadas”
Joaquim Oliveira, o Quinquinha (PPS)Prefeito de Manga
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